domingo, 22 de julho de 2007

Um Mergulho na Idade Média

(Roland Combatendo os Sarracenos - Tapeçaria do Século XII)

"Cantiga sua, partindo-se"
(João Roiz de Castelo-Branco)
Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.

Partem tão tristes, os tristes,
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

In: "Cancioneiro Geral", de Garcia de Resende (1516)

quinta-feira, 19 de julho de 2007

A Fórmula - Dino Buzzati

De que tem medo, imbecil? Das pessoas que o estão olhando? Da posteridade, por estranho acaso? Bastaria uma coisa infíma: conseguir ser você mesmo, com todas as fraquezas inerentes, mas autêntico, indiscutível. A sinceridade absoluta seria em si mesmo um tal documento! Quem poderia suscitar objeções? Este é o homem, um dos muitos, se quiserem, mas um. Os outros seriam obrigados a levá-lo em consideração, estupefatos, pela eternidade.

(In: Naquele Exato Momento. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2004)

terça-feira, 17 de julho de 2007

O Paleolhar da Televisão

A imagem, acima, é uma montagem com uma cena do filme Videodrome de David Cronenberg.

"(...) Televisão é o olho contra olho, olhar contra olhar. Endoscopia vídeo-eletrônica para dentro das salas e das almas cotidianas, dose diária de um "midiacamento" insuportável e insubstituível, mistura de elixir e droga, que provoca reações variadas no paciente, de náusea ao vício... O olhar da televisão é endoscópio, cateter que penetra nos divertículos mentais e emocionais do dia-a-dia urbano: é o soma huxleyano dos urbanitas. Quem assiste televisão é assistido por ela."

Décio Pignatari, O Paleolhar da Televisão. O Olhar, Org. Adauto Novaes. Ed. Cia das Letras.

domingo, 15 de julho de 2007

Uma rápida citação de Emmanuel Lévinas

A lucidez - abertura do espírito ao verdadeiro - não consiste em entrever a possibilidade permanente da guerra?

Os Comedores de Batata

Nada a declarar. É simplesmente Van Gogh.

Eu me inconformo















Por Vero Castanheira

Certa vez uma amiga me contou sobre uma conversa com seu chefe. Ela, gerente de uma loja de roupas grã-fina, empolgada ao vender três peças do mesmo modelo apenas diferenciadas pelas cores, cada uma pelo valor de R$ 350,00, virou-se para o seu chefe e comentou que achava a peça muita barata; seu chefe num ato comovido e impressionado com a postura da empregada atrevida disse que ela estava por fora da realidade nacional, que cada peça representava o valor de um salário mínimo portanto era cara. Sabe que a minha amiga ficou passada e chegou até a pensar que o seu chefe era “humano” e possuía um certo comprometimento social.
Ora, vamos lá, a única pessoa que pode achar algo caro ou barato é o seu chefe, na verdade ele deu uma lição de moral na sua empregada para mostrá-la que a sua função não é questionar nada, é apenas vender o produto.

A grande maioria das pessoas que ficam passeando pelos shoppings centers do RJ não compram efetivamente nada, no entanto ao se programarem para visitar o templo do consumo vestem-se como se fossem para os bailes, as vezes em suas bolsas não tem nem a grana do ônibus, mas não importa o que vale mesmo é a imagem.

Desfilam pelos corredores com seus filhos, maridos, esposas, se pudessem levariam também os cachorros. Param e olham as vitrines como se estivesse de frente à telinha da televisão, mudam de canal e continuam circulando, entram nas lojas, experimentam as roupas se olham no espelho e procuram afetos das vendedoras e dos maridos,perguntam o preço e vão embora. Caroço!

É fácil vender, fui vendedora por poucas semanas, sempre vendi bem, porque sei contar mentirinhas. Aliás, vender ilusões é tarefa da publicidade, e é disso que quero falar.

A publicidade procura mostrar um produto fidedigno com uma suposta realidade, as imagens precisam ter o máximo de tecnologia para criar uma ilusão de ótica no espectador, fazê-lo crer que o mesmo está comprando antídotos que irão suprir a carência de afetos ou ainda apaziguar a ira, a revolta e a reivindicação. O estilo utilizado é inspirado na estética burguesa, romanceada pela ideologia dominante e manifesta nas novelas, minisséries, filmes enlatados, shoppings centers e nos subprodutos da propaganda.

Você precisa realmente comprar um carro para ter um companheiro (a)? Você precisa comprar a margarina para ter uma família? Você precisa comprar aquela calcinha para a sua bunda ficar mais bonita? O que você precisa? Está no plano espiritual ou material?

Quando me refiro ao espiritual não se trata de nenhuma religião, mas da essência, da conjugação do verbos ser , pensar, questionar, reivindicar, lutar. E principalmente, não se conformar, aliás acabo de inventar outro verbo para língua portuguesa Inconformar, veja no presente:
eu me inconformo
tu te inconformas
ele se inconforma
nós nos inconformamos
eles se inconformam.
Retirei o vós porque é um pronome morto.

Agora vamos ver no futuro:eu me inconformarei, tu te inconformarás, ele se inconformará, nós nos inconformaremos, eles se inconformarão.

Não basta conjugar na teoria, temos que utilizá-lo no dia-a-dia seja no freio consumista seja nas relações sociais que estabelecemos.

INTESTINO PUBLICITÁRIO


A agência que vai tirar o seu produto da merda.












La Merda d'artista, obra do artista italiano Piero Manzoni, de 1961, representa uma crítica irônica sobre o estado da arte e o papel do artista.

Consumo Consciente

por Vero Castanheira

Nem sempre a gente consegue colocar em prática o que pensamos, muitas vezes corrompemos o nosso ideal por um prato de comida ou para alimentar outros desejos ou outras pessoas, mas uma coisa é certa, devemos sempre questionar os nossos atos porque o que vivemos são o seu reflexo.

Muitas pessoas se consideram religiosas outras se consideram de esquerda, porém a prática militante, seja política seja religiosa é contraditória, é preciso estar atento e forte no ideal para não sermos manipulados pelos meios de comunicação de massa e pelo clichê ineficaz e passivo de que tudo é assim mesmo e nada vai mudar.

Vivo meus dias inconformada com o que vejo, esta terrível realidade social maquiada pela propaganda onde a cultura construída junto as mídias reforça cada vez mais a estética do consumo, daquilo que tem prazo de validade e é descartável. A história já não interessa, as relações humanas muito menos, o que importa hoje é o que você tem e o que você pode oferecer em ganhos materiais.

Será que as pessoas não percebem que esta cultura vem se afirmando não apenas no plano material como essencialmente nas relações humanas, sejam de trabalho, sejam amorosas, sejam familiares?

Bom, é sobre isso que quero conversar; sobre como a cultura consumista tem avançado nas demais relações estabelecidas entre homens e mulheres, como o ser humano está passivo diante do que é dado pela mídia como valor inquestionável. Em tempos de banalização da violência, naturalização do consumo, torna-se banal dizer eu te amo e virar as costas num momento de aperto. Os valores humanos perdem a sua coerência quando são levados pela propaganda para vender produtos cujas marcas impõem ideais de vida, a solidariedade, por exemplo, é o valor mais utilizado pela mídia e pelas empresas quando precisam justificar a exploração do trabalho e do meio ambiente. Para ser mais objetiva, vamos lembrar da responsabilidade social, o que é isso? Uma forma dos empresários (entenda-se aqui dono de empresas) posarem para a mídia como os capitalistas corretos, como se houvesse essa possibilidade, mas é claro que essa construção é tão bem definida pelos setores de marketing das empresas que a maioria das pessoas caem no conto do vigário.

Pensem bem, o que vocês entendem por responsabilidade social?

Não vou falar aqui o que eu penso sobre esta questão deixo que vocês comprovem nos discursos dos marketeiros o que eles realmente pensam sobre isso, portanto selecionei algumas citações de um site para a devida compreensão do que realmente interessa aos empresários e acabar com este discurso inventado por setores estratégicos de que existe ética e responsabilidade no mundo empresarial. Confira abaixo:

"As empresas vivem um momento onde está cada vez mais dispendioso aumentar a participação de suas marcas no mercado. Os clientes, cada vez mais exigentes, tornam-se difíceis de ser fidelizados e todo diferencial possível precisa ser explorado a fim de ajudar a marca a manter (ou aumentar) sua participação em mercados cada dia mais concorridos. O Marketing Social representa uma oportunidade importante para as marcas passarem a um patamar superior, é uma forma efetiva de diferenciar produtos e melhorar a imagem corporativa. Por este motivo, é crescente o número de empresas que fazem promoções ou associam sua imagem a causas sociais, como forma de estimular vendas ou agregar valor a sua imagem institucional. Do ponto de vista do consumidor, adquirir produtos de uma empresa ou marca que esteja associada a uma causa social relevante é uma ótima oportunidade de tornar real o desejo de participar, pertencer, compartilhar e sentir a auto-realização, característicos do topo da Hierarquia das Necessidades de Maslow. A fim de viabilizar esta estratégia de atuação, as empresas firmam acordos com entidades sem fins de lucro, que executam as ações propostas e, em seguida, convidam os consumidores a colaborarem com a causa, simplesmente consumindo produtos daquela marca. A idéia, muito boa do ponto de vista estratégico, precisa ser planejada com antecedência, para que o processo funcione bem". Os desafios do gerenciamento de ações de Marketing Social, artigo não assinado.

Já o artigo abaixo é mais sincero:

"Sem qualquer concessão a ilusões de um “novo mercado bonzinho”, falamos de business e dos benefícios que o modelo de gestão da Responsabilidade Social pode propiciar às empresas. Tornando-as ainda mais ricas e perenes sem o ônus do preconceito em relação ao "visado lucro", na medida em que este enriquecimento extrapola sua divisão entre proprietários e acionistas e também incorpora outros agentes envolvidos no process colaboradores, clientes, consumidores, fornecedores, governos, comunidades e tantos outros". Tanya Rothgiesser,O que é socialmente responsável?

Em nenhum momento os marketeiros, ou os capangas dos empresários, levantam a questão de melhores salários aos seus empregados e melhores condições de trabalho, no entanto utilizam definições vagas sobre os conceitos de ética e todas as demais questões intrínsecas as relações de trabalho. Não é isso que está em jogo, o que querem, como podemos perceber acima, é a fidelização do cliente à marca e para isso apelam para as causas sociais persuadindo os consumidores a uma falsa consciência e atitude moral. Deturpam o sentido de consumo consciente, ou seja, os fins justificam os meios para elevarem as cifras de suas contas bancárias.

Quando você consome o produto de uma dessas empresas você está validando o discurso dos capitalistas humanitários, ou seja, você é presa fácil como também está contribuindo para a permanência deste sistema. Se você acha isso tudo uma grande bobagem tudo bem, continue consumindo e enriquecendo o bolso destes caras, viva como Polyana e simplesmente aceite a vida com ela é, ou melhor como um produto da propaganda, mas não reclamem jamais dos altos salários dos deputados, das injustiças sociais, do seu próprio salário, de como o seu chefe estabelece uma relação exploratória com você e com os seus colegas de trabalho. Todas as relações estão permeadas pelos valores culturais que legitimam o sistema político-social que vivemos.

Outro exemplo deste discurso picareta é o da Fundação Bradesco, inclusive ganhou o prêmio empresarial de responsabilidade social este ano, apesar do alto índice lucrativo que o banco mantém com seus clientes cobrados nas taxas, nos juros e nas tarifas bancárias, desconta seus impostos em ações sociais. Interessante perceber que a palavra ética está sempre nos panfletos dos empresários, o texto é tão bem construído que você acaba por acreditar. No site da Fundação Bradesco há o portal do voluntariado que na verdade deveria se chamar o portal do otário! A hipocrisia é tão escancarada, como é possível algum cidadão trabalhar de graça para um banco! Vocês não acreditam? Pois é, são 21 mil brasileiros voluntários.

Confiram o discurso:
"A Fundação Bradesco é uma entidade sem fins lucrativos fundada em 1956 por Amador Aguiar, para oferecimento de Educação Básica, Profissional e de Jovens e Adultos às comunidades carentes. Hoje são 40 escolas localizadas nos 26 Estados e no Distrito Federal, onde foram atendidos 108.151 estudantes em 2006.
A Fundação Bradesco e o VoluntariadoPor meio de suas unidades escolares, ao longo dos anos, a Fundação Bradesco tem incentivado a realização de ações voluntárias. E a partir de projetos envolvendo a participação de educadores, alunos e pais, beneficia instituições, ONGs e a própria comunidade. O Dia Nacional de Ação Voluntária tornou-se um dos principais exemplos de atuação da Fundação Bradesco e de sua política de valer-se em favor dos serviços de democratização do acesso ao conhecimento, uma opção a mais na missão de transformar comunidades, integrar localidades e difundir cidadania".

O discurso não é sedutor? Que tal se cadastrar como voluntário de um banco?

Abaixo veja o discurso de cidadania vinculado a uma conta bancária, intitulado Inclusão Bancária(sem gozação, é o título desta matéria):

"Somente a partir de 2002 é que milhares de brasileiros passaram a ter acesso às facilidades e benefícios do sistema bancário. Esse salto, que se confunde com cidadania e conquista, é um dos resultados mais visível do Banco Postal, a parceria entre o Bradesco e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Também são resultados práticos dessa combinação de esforços a inserção de centenas de municípios à estrutura financeira do país e o suporte ao desenvolvimento sócio- econômico, possibilitando que os recursos circulem nos próprios municípios, fomentando a poupança local. O Banco Postal já reúne cerca de 5,4 mil unidades - distribuídas por mais de 4800 municípios - e 5,1 milhões de brasileiros bancarizados. Desse total, quase 3,6 milhões têm renda mensal inferior a três salários mínimos".

Não se enganem a respeito do papel da cultura, da comunicação de massa e da propaganda, pois são concepções e produções do homem, principalmente das elites, cujo foco social é a permanência da ordem e progresso do consumo. Logo consumir com consciência é uma prática política necessária como instrumento de oposição a essa cultura dada como realidade imutável.

E como os empresários riem de você, consumidor inconsciente, se lambuzam no próprio gozo, porque é tão fácil manipular desejos, afagar o ego do cliente e construir a imagem do tipo ideal; no entanto, apesar, do consumo desmedido como recompensa de frustrações ou simplesmente a procura de ilusões nem sempre baratas de felicidade como um produto, a solidão e o desamor disputam os maiores índices de suicídio nos infográficos mundiais.

Fontes pesquisadas:
Fundação Bradesco
Revista Responsabilidade Social

Para pintar o retrato de um pássaro (Jacques Prévert)

Primeiro pinte uma gaiola
com a porta aberta.
Depois pinte
algo gracioso
algo simples
algo bonito
algo útil
para o pássaro.
Então encoste a tela a uma árvore
em um jardim
em um bosque
ou em uma floresta.
Esconda-se atrás da árvore
sem falar
sem se mover...
Às vezes o pássaro aparece logo
mas ele pode demorar muitos anos
antes de se decidir.
Não desanime.
Espere.
Espere durante anos, se for necessário.
A rapidez ou a lentidão do pássaro
não influi no bom resultado
do quadro.
Quando o pássaro aparecer
se ele o fizer
observe no mais profundo silêncio
até ele entrar na gaiola
e quando ele assim agir
delicadamente feche a porta com o pincel.
Então,
apague uma a uma todas as grades
tomando cuidado para não tocar na plumagem do pássaro.
Em seguida, pinte o retrato de uma árvore
escolhendo o mais bonito de seus galhos
para o pássaro.
Pinte também a folhagem verde e o frescor do vento
o dourado do sol e a algazarra das criaturas, na relva,
sob o calor do verão.
E então espere até que o pássaro decida cantar.
Se ele não cantar
é um mau sinal,
um sinal de que a pintura está ruim.
Mas se ele cantar é um bom sinal
um sinal de que você pode assinar.
Então, com muita delicadeza, você arranca
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome em um canto do quadro.