sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Por onde anda a poesia?

por Veronica Castanheira Machado

A internet é, sem dúvida, um meio de comunicação, de encontros e buscas maravilhosas, mas o livro é indispensável, não o troco por uma leitura na telinha do monitor, até porque faz um mal desgraçado aos olhos, na verdade lemos pontos de luz ao invés de letras impressas no papel, não sentimos o perfume do tempo guardado nos livros.

Recebo muitos e-mails diários com textos de autoria desconhecida ou duvidosa, parece não haver nenhum interesse em saber quem escreve e porque escreve, o que me leva a pensar que toda produção intelectual na contemporaneidade parece não valer absolutamente nada, aliás, o que está em questão é a ausência de sentidos no pensar criticamente esta sociedade e estes homens e mulheres.

O curioso é que as pessoas recebem e repassam estes textos sem o menor critério, ou seja, não páram para pensar no que está sendo lido e o porquê desta escrita. O ato de repassar é mecânico, basta apertar um botão e enviar para o seu grupo, mas pensar criticamente não é automático. As grandes empresas de comunicação sabem disso perfeitamente e estimulam seus leitores à estas práticas alienantes para que o leitor não desenvolva o senso crítico, afinal, não é uma beleza manipular o senso comum? Milhões de cifras mensais sem nenhum esforço intelectual!

A internet deveria ser o ponto de encontro do conhecimento, já que nos permite navegar por espaços que antes não tínhamos acesso, já que nos permite diversas leituras de uma mesma notícia, já que nos permite olhar sob diversos prismas a sociedade. No entanto, a quantidade de informações veiculadas nesta mídia não transforma-se em conhecimento automaticamente, por que? Não será porque pensar dá trabalho? Exige tempo, disciplina, interesse,curiosidade, seriedade, entre outros. E quanto pior, ao invés de servir como um meio de fomento ao pensamento crítico, as pessoas repetem como papagaios o que lêem assim como copiam e colam textos de pesquisadores e assumem a autoria sem o menor problema, sem o menor caráter.

E aí eu pergunto, que sociedade é essa que estamos inseridos? Que mundo automatizado é este? Será que me relaciono com homens ou com máquinas? Por onde anda a poesia?

Ontem, estava sentada sozinha numa mesa do bar da faculdade, uma senhora desconhecida resolveu sentar-se ao meu lado e conversamos sobre coisas da vida e produções culturais dos homens na história, tanto ela quanto eu ficamos encantadas uma com a outra, porque afinal podíamos conversar sobre poesia, cinema, política, enfim sobre relações humanas. Infelizmente no tempo presente encontrar seres pensantes é como descobrir um tesouro arqueológico. Os homens foram dados de presente às máquinas como no conto abaixo de Cortázar.

Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio
Julio Cortázar

Do livro Histórias de cronópios de famas

Pense nisto: quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. Não dão somente um relógio, muitas felicidades e esperamos que dure porque é de boa marca, suíço com âncora de rubis; não dão de presente somente esse miúdo quebra-pedras que você atará ao pulso e levará a passear. Dão a você – eles não sabem, o terrível é que não sabem – dão a você novo pedaço frágil e precário de você mesmo, algo que lhe pertence mas não é seu corpo, que deve ser atado a seu corpo com sua correia como um bracinho desesperado pendurado a seu pulso. Dão a necessidade de dar corda todos os dias, a obrigação de dar corda para que continue sendo um relógio; dão a obsessão de olhar a hora certa nas vitrines das joalherias, na notícia no rádio, no serviço telefônico. Dão o medo de perdê-lo. De que seja roubado, de que possa cair no chão e quebrar. Dão sua marca e a certeza de que é uma marca melhor do que as outras, dão o costume de comparar seu relógio aos outros relógios. Não dão um relógio, o presente é você, é a você que oferecem para o aniversário do relógio.